quarta-feira, 9 de março de 2011

Os primórdios da busca pelo elo perdido

A Matéria e a maneira como ela se comporta sempre intrigou o homem. Este é um dos primeiros segredos da natureza que precisam ser decifrados: como funciona a matéria?
Observamos que no Universo existe uma grande infinidade de “tipos” de matéria. O que eu quero dizer é que, apesar de termos um único conceito para definir matéria (é tudo aquilo que possui massa e ocupa lugar no espaço), ela se apresenta para nós em diferentes formas, a começar pelos estados físicos na qual a encontramos (e hoje sabemos que estes não são mais apenas três).
Esse é o começo do mistério: queremos entender como funciona a matéria, porém como podemos unificadamente algo que na natureza existe na pluralidade? Deve haver algum elo perdido, algo em comum a todas as “formas de apresentação” da matéria, que nos permita decifrar o segredo de como ela funciona.
Este mistério vem, há muito tempo, preocupando o homem. Desde a época dos filósofos naturalistas, ou pré-socráticos, encontramos tentativas de desvendar o segredo da estrutura íntima, do componente básico, de todas as formas de matéria. Ora, se, na natureza, coisas podem se tornar outras coisas, então deve haver uma coisa que esteja presente em todas as coisas...
Os filósofos pré-socráticos caracterizavam-se pela observação dos fenômenos naturais (physis), para que, através deles, pudessem encontrar a princípio fundamental de todas as coisas (arché). Para entendermos como funciona este pensamento, vejamos como o filósofo pré-socrático, Diógenes de Apolônia, descreveu a Arché:
"[...] Todas as coisas são diferenciações de uma mesma coisa e são a mesma coisa. E isto é evidente. Porque se as coisas que são agora neste mundo - terra, água ar e fogo e as outras coisas que se manifestam neste mundo -, se alguma destas coisas fosse diferente de qualquer outra, diferente em sua natureza própria e se não permanecesse a mesma coisa em suas muitas mudanças e diferenciações, então não poderiam as coisas, de nenhuma maneira, misturar-se umas as outras, nem fazer bem ou mal umas as outras, nem a planta poderia brotar da terra, nem um animal ou qualquer outra coisa vir a existência, se todas as coisas não fossem compostas de modo a serem as mesmas. Todas as coisas nascem, através de diferenciações, de uma mesma coisa, ora em uma forma, ora em outra, retomando sempre a mesma coisa."
Agora analisemos as conclusões as quais chegaram alguns dos filósofos pré-socráticos, a respeito do que seria a princípio fundamental de todas as coisas.
O primeiro de que se tem notícia a chegar a uma conclusão foi Tales de Mileto. Tales de Mileto foi o primeiro filósofo ocidental de que se tem notícia. Quando Tales esteve no Egito, certamente observou como os campos ficavam férteis quando o Nilo abandonava as terras que constituíam seu delta. Talvez tenha observado como surgem, na terra, rãs e vermes à luz do sol, depois de ter chovido. Além disso, certamente ele observou que a água poderia se transformar em gelo ou vapor, e depois novamente em água. Baseado nestas observações Tales concluiu que o elemento primordial de todas as coisas seria a água. Isso quer dizer que, tudo se inicia na água e no fim de todas as coisas elas se tornam água novamente. Este raciocínio, de que tudo se origina a partir da água, foi retomado, aproximadamente 2460 anos depois, por Charles Darwin que afirmou que “o mundo evoluiu da água por processos naturais”.
Outro filósofo naturalista que se dedicou a encontrar a Arché foi Anaximandro. Anaximandro não acreditava que nenhum dos elementos fosse a causa primordial de todas as coisas, porque ele observava que os quatro elementos (terra, ar, água e fogo) poderiam sofrer mudanças.  Anaximandro acredita que havia algo diferente a partir do qual tudo se originava, o infinito. Ele não pensava como Tales, em uma substância completamente determinada. Talvez ele quisesse dizer que aquilo, a partir do qual tudo é criado, tem de ser completamente diferente de tudo o que é criado. Ele acreditava que nosso mundo é apenas mais um dos outros muitos mundos que surgiram antes e que irão surgir depois que este se dissolver, como se dissolveram todos os que vieram antes e se dissolverão todos os que vierem depois, na realidade primordial de todas as coisas, que ele chama de infinito (a-peiron).
Um terceiro filósofo grego que se ocupou deste pensamento foi Anaxímenes. Ele conhecia as idéias de Tales e sabia que, segundo elas, a água seria o elemento primordial de todas as coisas, porém, de onde surge a água? Para Anaxímenes a água era ar condensado, ao chover a água é condensada a partir do ar. E, para ele, se o ar fosse ainda mais condensado se tornaria terra. De modo análogo, o fogo seria ar rarefeito. Assim, a origem da terra, do ar e do fogo seria o ar. Anaxímenes pensava que, para o Universo existir, eram necessários os quatro elementos, porém, o ar seria o ponto de partida de todas as coisas.
O pensamento primordial que permeava o pensamento dos filósofos naturalista era “de nada, nada pode surgir”. Esse pensamento surge novamente na idade moderna, quando através de experimentos quantitativos, o químico francês Antoine Laurent Lavoisier enunciou a Lei da Conservação das Massas, cujo enunciado filosófico diz que “na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”. Esta breve reflexão nos mostra que, o pensamento filosófico muitas vezes inspirou a busca pelo conhecimento científico e provou estar correto.


Lucas de Lima

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